Pular para o conteúdo principal

Free School 5 - Assembleia

Agora sim, a Assembleia.

Logo depois do almoço, na quinta-feira, estava conversando com uma professora quando o Bhawin me falou que alguém tinha chamado uma assembleia, e que se eu quisesse poderia ir lá ver. Desci na mesma hora, pensando na sorte de ter uma bem no dia que eu estava lá.

A assembleia é a instância maior da escola, onde as coisas são decididas e os problemas resolvidos. A participação é obrigatória, porque o que é decidido na assembleia geralmente impacta toda a comunidade. Qualquer pessoa pode chamar uma assembleia a qualquer momento, para tratar de assuntos que dizem respeito a todos.

Nesse dia, uma menina da 6a série (vamos chamar ela de Ana) chamou a assembleia porque um menino (John) da mesma idade estava batendo nela repetidamente, todos os dias. No dia em questão ele bateu e empurrou ela enquanto ela e outros amigos estavam sentados nos sofás; ela disse que os amigos estavam agitados, brincando, e nem perceberam o que aconteceu. Ela chamou a assembleia porque já tinha conversado com o menino várias vezes, não sabia mais o que fazer, e queria a ajuda de toda a escola para chegar em uma solução.

Estavam todas as crianças ali, do jardim de infância à 8a série, e todos os professores também (com exceção dos da pré-escola). Todas as assembleias são coordenadas por um aluno ou aluna, que são nomeados e depois votados (quando eu cheguei essa parte já tinha acontecido). O chairperson (vou chamar de coordenador, se alguém tiver tradução melhor me avisa pfv!) vai conduzindo a assembleia; quem quiser ter a vez de fala precisa levantar a mão, e só fala depois que o coordenador dá a palavra. Os professores podem falar (levantando a mão também), mas eles tentam se abster de votar no final, para deixar as crianças decidirem.

Nessa assembleia, a Ana expôs o problema, e queria entender por que o John estava batendo nela. Algumas crianças disseram que não estavam entendendo o motivo dela ter chamado a assembleia, e ela explicou, com muita calma e paciência. Disse que não estava conseguindo resolver sozinha e que queria a ajuda de todos para entender. As crianças que estavam presentes perguntaram para o John por que ele batia nela, e ele disse que não sabia, que ele não pensava antes. Várias rebateram e falaram que a gente sempre está pensando, e que ele tinha que pensar em formas de controlar as ações dele. O melhor amigo do John disse que ia ajudar ele, e que se percebesse que ele ia ultrapassar os limites, ia chamar a atenção dele. Uma professora disse que muitas vezes todos nós fazemos coisas sem pensar, sim, mas que se quisermos mudar precisamos prestar atenção. Um outro professor lembrou que os amigos que estavam perto podiam ter ajudado, e eles falaram que não viram, porque estavam brincando de cosquinha, luta e cia.

No desenrolar da assembleia, o John disse que ainda estava chateado com a Ana porque ela tinha falado alguma coisa sobre a família dele semanas atrás, e magoado muito ele; a Ana respondeu, dizendo que eles tinham conversado na época, ela tinha pedido desculpas e não sabia o que mais poderia fazer. Ele não sabia o que fazer, nem o que pedir dela. Uma hora ela perguntou: "o que você ganha me batendo?"

Eu fiquei impressionada com as discussões, com a capacidade deles de se colocarem no lugar do outro, de colocarem claramente seus limites e dificuldades. A sugestão dada foi que eles tivessem uma reunião de mediação, com a professora que já estava mais a par da situação, e com quem mais eles achassem pertinente, ou que fosse ajudar. Essa reunião seria para o John conversar sobre o que estava sentindo, e o que estava incomodando. Ele disse que não concordava, que para ele falar não ajudava. Perguntaram então o que ele queria fazer, e ele não respondeu. Foi feita uma moção para a sugestão da mediação, que foi aprovada por maioria; um professor fez uma emenda que eles deveriam se reunir de novo em uma semana para ter um acompanhamento da situação e não chegar ao limite de novo, que também foi aprovada na assembleia. Depois de 45 minutos de reunião, o coordenador fez a moção de encerramento da assembleia, que foi aprovada com um certo alívio (afinal, era sexta-feira depois do almoço!)

Depois, fiquei conversando com a Rachel, professora. Ela disse que algumas vezes os professores não concordam com as soluções propostas pelos alunos, mas que a decisão da assembleia é o que vale. Em alguns casos, ela disse que eles tentam argumentar (como uma vez em que a solução proposta era que duas crianças passassem 3 semanas sem poder brincar juntas, e os professores acharam muito extremo), mas que no fim fica o que é decidido pelos alunos. Eles são responsáveis também por dar continuidade à decisão e garantir que o que a assembleia decidiu vai acontecer (por exemplo, já tiveram duas ocasiões em que a assembleia decidiu que a solução era todos os alunos se revezarem na limpeza dos banheiros, mas que em uma delas a pessoa responsável não fez a lista e organizou o revezamento, e ninguém cobrou, então ficou por isso mesmo). Os professores também podem chamar uma assembleia - o Asyah chamou uma para falar da bagunça que a escola estava ficando todo dia, e foi assim que começou o sistema do "all school clean up" - 15 minutos antes do fim do dia a escola inteira tem responsabilidades para limpar, desde varrer, lavar mesas, desligar os computadores, guardar os brinquedos.

Eu já tinha ouvido falar da Assembleia (a Escola da Ponte, em Portugal, faz também, por exemplo), mas foi muito legal poder ver uma acontecendo. É mesmo um momento de comunidade, de pensar junto, de cuidado, até.

Próximo capítulo: os projetos e atividades da escola


ps: eu não tirei foto da assembleia porque achei que ia ser falta de respeito. Afinal, foi a única hora que eu vi as crianças levantando a mão e pedindo para ir ao banheiro e beber água, ou seja: é um momento importante e não quis ficar de paparazzi/turista atrapalhando.

~ posts anteriores:
parte 1
parte 2
parte 3
parte 4

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Fiando junto

tem vezes que a vida parece um novelo de lã embaraçado, todo enrolado. cores misturadas, fios que começam sabe-se lá onde, e que parecem não ter fim. vez ou outra, ao ver a bagunça toda, dá vontade de arrumar. organizar, desembaraçar, tentar pelo menos saber quais lãs tão ali no meio. é uma tarefa delicada, que exige paciência. desenrola de um lado, mas enrola do outro; tenta achar o fio da meada, mas ops, perde de novo. e aí vem uma "fiadora". ela que segura o novelo enquanto eu desenrolo, olhando fundo no meu olho, sem recuar, me lembrando também da beleza que existe no caos. e vamos assim, fiando juntas as tramas e bagunças dessa vida que é tanta.

Aprendendo thai - lição 1

Aprender tailandês é uma aventura sem fim - eles têm mil letras diferentes pra um mesmo som, regras sem pé na cabeça, significados distintos (às vezes MUITO distintos) para palavras idênticas, mas com tons diferentes, e um alfabeto desenhadinho que dá a maior trabalheira pra aprender. Mas é uma língua muito poética, simples à sua maneira, e que revela muito do jeito de ser e pensar do seu povo. Quer ver? ใจ(djai) significa literalmente coração, e tem milhões de usos e significados. Por exemplo: Se você entende alguma coisa, você fala que เข้าใจ (khaw djai). เข้า (khaw) é entrar, ou seja: entender é entrar no coração . Tá triste? เสียใจ (sia djai) - เสีย (sia) significa estragar, estragado. Tristeza, então, é um coração que precisa ir pro conserto. E é assim com tudo: confuso é quem troca de coração (plian djai - เปลี่ยนใจ); benevolente tem o coração bom (dii djai - ดีใจ ); aliviado é quem tem o coração desobstruído, livre (glong djai - คล่องใจ); agonia é ter o coração pequeno (nói dja

saudade

esses dias tenho pensado muito sobre saudade - sobre a que eu estou "matando", aqui, ao rever pessoas e lugares queridos, e sobre a outra que eu estou alimentando, das pessoas e lugares do brasil. queria, mais uma vez, tentar explicar como que traduz essa tal saudade. me vi com um certo orgulho de pensar que é impossível traduzir saudade. que é uma palavra tão nossa que não existe equivalente no mundo. que falar que é "sentir falta" (miss you, por exemplo), não faz nem cosquinha no que é a saudade mesmo. será que a diferença é só poética? será que sentir falta de algo, de alguém, é diferente de sentir saudade? assim, a saudade me parece um "pó de poesia", talvez de ternura também, pra contrariar a aparente "mecanicidade" de "só" sentir falta. vai ver a saudade é quando a falta é também doce, e quando dói um pouquinho no aperto que dá, tudo ao mesmo tempo. a saudade é também aquele sorriso que vem pro rosto quando uma lembrança che