Pular para o conteúdo principal

Free School 4 - um dia na escola

(sei que prometi falar da assembleia, e até comecei um post com ela. Mas a inspiração me carregou pra outros lados, e aí fui junto).

Logo que cheguei e subi as escadas, fui falar com dois professores que estavam em pé, encostados nos cubbies das crianças. Olhei ao redor: era um espaço bem amplo, com mesas espalhadas. Uma mesa maior servia de buffet, e algumas crianças e adultos tomavam café da manhã: torrada, ovo mexido, frutas, leite.


Me apresentei e falei que tinha mandado um email pro Bhawin, e que ia fazer uma visita. "Ah, o Bhawin vai chegar mais tarde hoje. Peraí, coloca suas coisas ali em cima que eu te mostro a escola.", me disse um outro professor, o Asyah. E entre escadas, portas e salas, fui descobrindo o que era a Free School.

"Aqui é mais ou menos a sala de ciências, e também do 2o e 3o anos. A gente faz atividade de matemática também. Tá vendo esse papelão em cima da mesa, com a raposa desenhada? É pro fundraising, a gente vai fazer uma noite de filme e esse cartaz é pras pessoas tirarem foto do lado, as crianças que tiveram a ideia. O dinheiro vai pra nossa excursão do ano." Na sala tinham duas mesas compridas, um quadro branco e duas estantes com livros, legos, materiais de ciência. Uma professora (Jane) chega em seguida e fala que vai usar a sala pra fazer "ooblek", mistura de amido de milho com água, e assim explicar sobre moléculas. "Hoje não tem reunião com a turma, mas eu vou ali avisar pra eles que é isso que vou fazer". Eles não são obrigados a ir, mas como era uma atividade que não esteva planejada antes, ela quis avisar.

A sala tem uma porta que dá pra outra sala, que eles chamam de "Big Room". Essa sala é bem ampla, parece um estúdio de dança. Tem dois tatames grandes estendidos, um piano e várias crianças, de várias idades, fazendo várias coisas diferentes. Umas estão dando cambalhotas e estrelinhas no tatame, outras constroem com blocos e duas meninas sentam numa mesa e brincam com os bonecos que uma delas trouxe de casa. "Aqui é onde acontecem os council meetings e as reuniões de atividades".


Algumas crianças param pra perguntar alguma coisa pro Asyah, pedindo pra pegar algum material ou avisando de alguma mudança na programação do dia, e toda vez eu sou apresentada e elas me cumprimentam. Seguimos por outra porta, e é a sala dos sofás: tem dois, bem confortáveis, e 3 computadores, que as crianças podem usar para projetos da escola. De novo, a cena que ia se tornar tão familiar nesses dois dias: várias crianças, várias idades, várias atividades.

A sala seguinte é do jardim de infância (kinder) e 1a. série, mas quem está lá são alunos do Junior High, tocando violão. Do lado dessa, a sala da 4a. série, que também é sala de leitura (e, como descobri no dia seguinte, da aula de ukelele também). Mais uma porta (nesse ponto, já estou perdida e achando que entrei num labirinto!) e chegamos em uma parte meio escura, onde ficam os casacos, mochilas e no fundo a sala de artes, que também é a sala das 5a e 6a séries. A pré-escola fica no andar de cima, na sala onde as refeições acontecem; os mais velhos, das 7a e 8a séries, ficam em uma sala meio "isolada", também no andar de cima. "É como se fosse um privilégio por serem mais velhos, e também pra manter algumas conversas por ali" - o Asayah me explicou.

(aí é a sala dos mais velhos)

Ao fundo do "salão principal", a cozinha, parte importante da escola. Uma porta dá pro lado de fora, onde uma ponte de madeira e uma escada dão acesso ao quintal, com um brinquedo grande e balanço. O Asyah fala que as crianças vão ali pra fora sempre que querem, pra brincar, correr, pular, e que o frio, chuva ou neve nunca impedem elas. Considerando que a sensação térmica era de -11oC (ou menos!) e que as crianças mais novas ficaram um bom tempo lá fora, acreditei nele.

(tá vendo a neve ali? brrrr!)

Em todas as salas, crianças fazendo alguma coisa, ocupadas. Nenhuma tendo aula, pelo menos não naquele momento. Uns liam; quatro meninas estavam bolando um filme, e avisaram que iam virar o sinal da porta para "Stop" (é. Cada porta de cada sala tem uma placa de papelão, escrita stop ou go. Se estiver em go, pode entrar, passar; se tiver stop, meia volta, não pode interromper. Nos banheiros, sem divisão menino/menina, funciona a mesma regra). O Asyah avisou que a gente ia passar por lá rapidinho, e elas concordaram. Quando entramos, elas estavam escrevendo o roteiro e pensando personagens. Não tinha nenhum professor por perto. Não precisava.

Voltei pra sala de ciências, e o ooblek estava a todo vapor. Não sei se vocês já tentaram essa mistura, mas é muito legal. Quando você aperta, a massa se junta um pouco e fica quase sólida, mas se você abre a mão ela escorre, líquida. Enquanto duas meninas faziam o ooblek, dois meninos mais velhos jogavam um jogo com bola de gude, medindo distâncias e marcando no quadro branco. A Jane estava ali, fazendo o ooblek junto e contando sobre como essa sensação engraçada acontecia por causa das moléculas (desculpa, gente, eu matei a aula e não vou saber explicar direito. Santo google pra que te quero!)

(mexendo o ooblek!)

Passei pra Big Room e fui fuçar as paredes: tinham cartazes chamando para audição de peças que algumas crianças estavam fazendo, as responsabilidades de cada criança durante o "all school clean up" e esse cartaz aqui:



Imagina! Eu já presenciei uma professora pedindo pra um menino tirar a fantasia de princesa na sala, porque era de menina, e fazendo cara feia pra isso. Mesmo. Juro. Recentemente. Achei muito legal a escola bancar isso. Depois fiquei sabendo que a escola quer mesmo discutir papeis de gênero e suas (des)construções.

Enquanto olhava as paredes, uma menina veio falar comigo. Se apresentou e me falou que ela estava na peça do cartaz que eu estava vendo (tinha uma lista de personagens ali). Ela disse que era muito legal, porque na peça o irmão dela ia ser a mãe dela! E que, olha só, um outro menino ia ser o pai. Que dois meninos iam ser casados na peça, porque o irmão dela quis fazer o teste para o papel de mãe. Depois perguntou se eu ia ser professora ou voluntária (quem quer ser um dos dois, na escola, faz um dia de visita também), e eu contei que estava visitando. Ela me puxou pela mão e falou que ia fazer outro tour comigo. Foi me mostrando os lugares e falando o nome de todos os alunos que via, e contando quem era da sala dela, ou do irmão, ou que a pessoa fazia. Paramos um tempo na sala de artes; quatro meninas estavam fazendo pulseiras, colocando as miçangas na linha (atividade bem montessori, diga-se de passagem) e planejando venderem depois para arrecadar fundos para a excursão. A Opal, minha guia, ia apresentar elas, mas uma interrompeu e falou: eu posso me apresentar, thank you! E veio falar nome e me fazer as perguntas base (nome, da onde eu era, por que eu estava ali). Um detalhe sobre a Opal: no fim do dia, quase na hora de embora, passei por ela e ela me perguntou o que eu tinha achado da minha visita. Achei muito atencioso!

Em um dos passeios, passamos pela cozinha, e algumas alunas ajudavam a Deirdre (que cozinha e dá aula de culinária na escola também) a preparar o almoço. Parte das crianças da pré-escola estavam lá fora brincando; a Nya, uma das alunas, de 4 anos, pediu pra eu empurrar um banco pra ela, porque ela queria uma luva, e como não tinha trazido foi procurar na gaveta das luvas-gorros-meias-etc-de-todos. Sem um professor vir atrás dela, sem alguém falar que ela não podia ficar lá fora porque estava muito frio.

E isso são as primeiras horas da minha visita de dois dias. E isso são muitos detalhes, conversas e cenas que eu não contei (ainda), porque é tão complicado escrever as sensações, as expressões das crianças, cada fala, cada detalhe do espaço, dos sons... mas eu estou tentando.

A saga continua daqui a pouco!

(e começa por aqui)



Comentários

Unknown disse…
Que delicia! Estou adorando a leitura.
Bjinss

Postagens mais visitadas deste blog

Fiando junto

tem vezes que a vida parece um novelo de lã embaraçado, todo enrolado. cores misturadas, fios que começam sabe-se lá onde, e que parecem não ter fim. vez ou outra, ao ver a bagunça toda, dá vontade de arrumar. organizar, desembaraçar, tentar pelo menos saber quais lãs tão ali no meio. é uma tarefa delicada, que exige paciência. desenrola de um lado, mas enrola do outro; tenta achar o fio da meada, mas ops, perde de novo. e aí vem uma "fiadora". ela que segura o novelo enquanto eu desenrolo, olhando fundo no meu olho, sem recuar, me lembrando também da beleza que existe no caos. e vamos assim, fiando juntas as tramas e bagunças dessa vida que é tanta.

Aprendendo thai - lição 1

Aprender tailandês é uma aventura sem fim - eles têm mil letras diferentes pra um mesmo som, regras sem pé na cabeça, significados distintos (às vezes MUITO distintos) para palavras idênticas, mas com tons diferentes, e um alfabeto desenhadinho que dá a maior trabalheira pra aprender. Mas é uma língua muito poética, simples à sua maneira, e que revela muito do jeito de ser e pensar do seu povo. Quer ver? ใจ(djai) significa literalmente coração, e tem milhões de usos e significados. Por exemplo: Se você entende alguma coisa, você fala que เข้าใจ (khaw djai). เข้า (khaw) é entrar, ou seja: entender é entrar no coração . Tá triste? เสียใจ (sia djai) - เสีย (sia) significa estragar, estragado. Tristeza, então, é um coração que precisa ir pro conserto. E é assim com tudo: confuso é quem troca de coração (plian djai - เปลี่ยนใจ); benevolente tem o coração bom (dii djai - ดีใจ ); aliviado é quem tem o coração desobstruído, livre (glong djai - คล่องใจ); agonia é ter o coração pequeno (nói dja

saudade

esses dias tenho pensado muito sobre saudade - sobre a que eu estou "matando", aqui, ao rever pessoas e lugares queridos, e sobre a outra que eu estou alimentando, das pessoas e lugares do brasil. queria, mais uma vez, tentar explicar como que traduz essa tal saudade. me vi com um certo orgulho de pensar que é impossível traduzir saudade. que é uma palavra tão nossa que não existe equivalente no mundo. que falar que é "sentir falta" (miss you, por exemplo), não faz nem cosquinha no que é a saudade mesmo. será que a diferença é só poética? será que sentir falta de algo, de alguém, é diferente de sentir saudade? assim, a saudade me parece um "pó de poesia", talvez de ternura também, pra contrariar a aparente "mecanicidade" de "só" sentir falta. vai ver a saudade é quando a falta é também doce, e quando dói um pouquinho no aperto que dá, tudo ao mesmo tempo. a saudade é também aquele sorriso que vem pro rosto quando uma lembrança che